REQUIEM PARA UM DEFUNTO VULGAR


Antonino morreu
Seu corpo, resignado,
É como um rio incolor, regressando à nascente
Num silêncio de espanto, e mistério revelado
Está ali estando ausente
Jaz, de corpo inteiro e fato preto
Ele, da cabeça aos pés,
Trivial e completo
Estátua de proa e moço de convés
Jaz, como se dormisse
Pelo menos é o que dizem as velhas carpideiras
Jaz, imóvel, sem gestos, sem acenos
Jaz, morto, de todas as maneiras
Jaz, morto de cansaço
De pobreza, de fome
Sobretudo de fome
Jaz morto, sem remédio
É apenas, sobre um papel azul, um nome
De ser mais qualquer coisa, a morte impede-o
Jaz, alheio a tudo à sua volta
À dor dos parentes e companheiros
Como um cavalo à solta
Ou no mar largo os rápidos veleiros
Jaz, inútil, frio, pesado
A colcha de crochet aconchega-o na cama
Nunca esteve tão quente e animado
Nunca foi tão menino de mama
Os filhos olham-no e fazem contas cuidadosas:
Padre, enterro, velório, certidão de óbito
E discutem, com manhas de raposas
Os parcos bens e a possível divisão
No entanto, sobre o leito que foi da vida de casado
Antonino jaz, morto, definitivamente
Os parentes e amigos, falam dele no passado
A viúva, serve copos de aguardente

Daniel Filipe
do livro "Pátria Lugar de Exílio"

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